
Membros do grupo rebelde Movimento 23 de Março (M23) fazem guarda em frente a um hotel em Goma, leste da República Democrática do Congo (RDC), em 13 de junho de 2025. (Str/Xinhua)
Às vésperas de uma conferência de paz de alto nível sobre a região dos Grandes Lagos da África, marcada para quinta-feira em Paris, os confrontos armados continuam no leste da República Democrática do Congo (RDC), enquanto a diplomacia luta para acompanhar o ritmo de uma guerra que tenta encerrar.
Kinshasa, 30 out (Xinhua) -- Às vésperas de uma conferência de paz de alto nível sobre a região dos Grandes Lagos da África, marcada para quinta-feira em Paris, os confrontos armados continuam no leste da República Democrática do Congo (RDC), enquanto a diplomacia luta para acompanhar o ritmo de uma guerra que tenta encerrar.
Apesar da recente conclusão de um mecanismo de verificação do cessar-fogo, os confrontos entre o exército da RDC (FARDC) e os rebeldes do Movimento 23 de Março (M23) persistem. O impasse resultante também se agravou em meio a uma crise humanitária cada vez pior.
ENCONTRO AMBICIOSO
De acordo com um anúncio feito em 16 de outubro pelo Ministério das Relações Exteriores francês, a conferência para a paz e a prosperidade na região dos Grandes Lagos da África visa mobilizar a comunidade internacional em torno de três prioridades: abordar a emergência humanitária no leste da RDC, apoiar os esforços de mediação em andamento e promover a integração econômica regional, "um veículo essencial para a paz duradoura".
Coorganizado pelo Togo, mediador da União Africana para os Grandes Lagos, o encontro deverá reunir representantes de cerca de 60 países e organizações internacionais, segundo a França.
Tanto o presidente da RDC, Felix Tshisekedi, quanto o presidente de Ruanda, Paul Kagame, estão na lista de convidados, mas sua participação ainda não foi confirmada, de acordo com a mídia local.
Há décadas, o leste da RDC é o epicentro de violência recorrente, alimentada por uma miríade de conflitos locais e transfronteiriços. Kinshasa acusa Ruanda de apoiar o M23, uma acusação que Kigali nega, enquanto Ruanda acusa o FARDC de colaborar com as Forças Democráticas para a Libertação de Ruanda (FDLR), um grupo implicado no genocídio de 1994.

Soldados fazem guarda no território de Lubero, na província oriental de Kivu do Norte, República Democrática do Congo (RDC), em 14 de janeiro de 2025. (Foto por Zanem Nety Zaidi/Xinhua)
Desde janeiro deste ano, o M23, agora parte de uma coalizão político-militar mais ampla conhecida como Aliança do Rio Congo (AFC), conquistou várias cidades estratégicas, incluindo Goma e Bukavu. Nessas áreas, administrações paralelas foram instaladas, enfraquecendo a autoridade estatal e piorando uma situação humanitária já precária.
A conferência de Paris, anunciada meses atrás, mas repetidamente adiada em meio à escalada da insegurança no leste da RDC, representa uma continuação da pressão diplomática da França pela paz na região dos Grandes Lagos.
Em setembro de 2022, o presidente francês, Emmanuel Macron, reuniu Tshisekedi e Kagame em Nova York, à margem da Assembleia Geral das Nações Unidas, em uma tentativa inicial de diminuir as tensões.
TIROTEIOS PERSISTEM E DIPLOMACIA FALHA
No leste da RDC, a cerca de 6.000 km de Paris, o som dos tiros parece determinado a abafar a retórica diplomática.
Nas primeiras horas de terça-feira, os combates recomeçaram em várias frentes nos territórios de Masisi e Walikale, em Kivu do Norte, colocando as forças do M23 contra o FARDC e seus aliados.
Pouco mais de duas semanas depois de assinarem um mecanismo de monitoramento do cessar-fogo em Doha, no Catar, ambos os lados começaram a trocar acusações sobre a retomada das hostilidades.

Benjamin Mbonimpa (2º à direita), representante do M23 em várias rodadas de negociações com Kinshasa em Doha, participa de coletiva de imprensa em Goma, República Democrática do Congo (RDC), em 25 de julho de 2025. (Foto por Zanem Nety Zaidi/Xinhua)
Na rede social X, Benjamin Mbonimpa, um dos principais negociadores do M23 com o governo da RDC em Doha, acusou Kinshasa de "sabotar" as negociações de paz em Doha, que inicialmente deveriam resultar em um acordo de paz abrangente em agosto. Os repetidos adiamentos levaram o processo ao limite.
O porta-voz do FARDC, Sylvain Ekenge, disse que os militares não ficarão mais "de braços cruzados" diante das provocações. "Eles alegam que os bombardeamos (o M23), mas são eles (o M23) que nos atacam primeiro, e nós respondemos", disse ele em entrevista recente. "Não podemos aceitar isso calados. Ou queremos a paz, ou não queremos".
Ele rejeitou as alegações de ataques a civis, insistindo que "sempre é o M23 que viola o cessar-fogo".
Na frente diplomática, a situação continua precária. Dois quadros complementares, mas frágeis: o Processo de Washington, apoiado pelos Estados Unidos, e o Processo de Doha, liderado pelo Catar, constituem atualmente os dois caminhos de mediação entre Kinshasa, Kigali e o M23.
Depois que a RDC e Ruanda assinaram um acordo de paz em junho em Washington, a implementação continua parcial. Um relatório recente do Barômetro de Acordos de Paz na África observou que apenas 17 das 30 tarefas acordadas foram iniciadas.
O acordo de Washington inclui um anexo que descreve um plano para neutralizar as FDLR e disposições para que Ruanda "suspenda suas medidas defensivas", ambas as quais têm apresentado progresso lento.

Vários membros das Forças Democráticas para a Libertação de Ruanda (FDLR) são entregues às Forças de Defesa de Ruanda (RDF) no posto fronteiriço de Grande Barrière, entre Ruanda e a RDC, em 1º de março de 2025. (Foto por Cyril Ndegeya/Xinhua)
Ekenge disse que alguns membros das FDLR responderam ao apelo do FARDC para depor as armas, mas que sua rendição "foi bloqueada pelo M23 e pelas forças ruandesas" nas áreas sob seu controle. O M23, por sua vez, acusa altos oficiais do FARDC de conluio com as FDLR.
O Processo de Doha, agora o único canal de diálogo operacional entre Kinshasa e o M23, luta para recuperar o ímpeto em meio à desconfiança persistente.
Em julho, ambos os lados assinaram uma declaração de princípios em Doha, estabelecendo um cronograma ambicioso para as negociações de paz até o início de agosto, um prazo que já foi ultrapassado há muito tempo.
De acordo com um relatório divulgado em outubro pelo Centro de Cooperação Internacional da Universidade de Nova York (NYU, na sigla em inglês), os processos de Washington e Doha são profundamente interdependentes, visto que o sucesso de um depende em grande parte do outro.
Mesmo que um acordo de paz fosse assinado entre Kinshasa e o grupo rebelde, o relatório alertou que sua sobrevivência poderia ser comprometida por interesses políticos divergentes e pela diminuição da pressão externa.
Essa dinâmica condenou tentativas de paz anteriores na RDC, afirmou o relatório intitulado "É Possível um Acordo de Paz em Doha?".
PAZ PARA INVESTIMENTO?
Assim como o acordo de Washington, a conferência de Paris também considera a cooperação econômica e a integração regional como pilares da paz na região dos Grandes Lagos.
O acordo de paz entre a RDC e Ruanda incluiu compromissos para o estabelecimento de uma estrutura de integração econômica regional (REIF, na sigla em inglês) e promessas de investimento dos EUA no vasto setor de minerais críticos do leste da RDC, além de grandes projetos de infraestrutura.
Como disse Joshua Walker, diretor de programa do Grupo de Pesquisa sobre o Congo da NYU, o governo dos EUA "tentou inserir interesses comerciais diretamente nos dividendos da paz".
Mas Kinshasa continuou firme. No início de outubro, o governo da RDC se recusou a assinar o acordo-quadro REIF com Ruanda, apesar de dias de negociações técnicas que resultaram em um rascunho de texto conjunto.
"Só podemos falar de integração ou investimento quando a paz for totalmente restaurada, uma paz definitiva e duradoura", disse o porta-voz do governo da RDC, Patrick Muyaya, em coletiva de imprensa em Kinshasa, no dia 8 de outubro. "O que vimos no terreno desde 27 de junho não proporciona as condições para a paz".
Para Kinshasa, a soberania e a segurança continuam sendo pré-condições inegociáveis para qualquer acordo econômico regional.
A conferência de Paris, que também inclui um segmento econômico, precisará conciliar essas visões radicalmente diferentes, entre a vontade de usar os "dividendos da paz" como alavancagem e a insistência do governo da RDC de que a paz deve vir antes da prosperidade.
SITUAÇÃO HUMANITÁRIA CRÍTICA
Enquanto isso, os alarmes têm soado sobre a grave situação humanitária no terreno.
Em uma declaração conjunta na terça-feira, uma dúzia de organizações não governamentais e coalizões pediu ações urgentes na conferência de paz de Paris para enfrentar "uma crise humanitária sem precedentes" na RDC.
Por nove anos consecutivos, o país liderou a lista do Conselho Norueguês para Refugiados das crises de deslocamento mais negligenciadas do mundo.

Pessoas deslocadas chegam de barco ao porto de Nzulo, perto de Goma, província de Kivu do Norte, leste da República Democrática do Congo (RDC), em 23 de janeiro de 2025. (Foto por Zanem Nety Zaidi/Xinhua)
Desde janeiro de 2025, mais de 2,1 milhões de pessoas foram deslocadas, elevando o total para 5,71 milhões, 90% delas nas províncias de Kivu do Norte, Kivu do Sul e Ituri, no leste do país, de acordo com as Nações Unidas (ONU).
A demanda por ajuda humanitária está aumentando, enquanto o financiamento continua diminuindo.
De acordo com o portal de Ação Humanitária coordenado pelo Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA, na sigla em inglês), apenas 16% de um plano de resposta humanitária de 2,5 bilhões de dólares americanos para 2025 foi financiado.
"O leste da RDC está à beira de uma catástrofe humanitária evitável", alertou De-Joseph Kakisingi, presidente do Conselho Nacional de ONGs Humanitárias e de Desenvolvimento. "Sem corredores seguros, sem medicamentos ou alimentos, milhares de vidas estão em risco".
Justine Muzik Piquemal, diretora regional da Solidarités International, acrescentou: "Os números são impressionantes, mas por trás de cada estatística há uma pessoa. O que precisamos é de acesso seguro e ação humanitária neutra".


