Em 11 de agosto de 2023, Ana Elisa Saggioro Garcia concedeu uma entrevista à Agência Xinhua na sede do Centro de Estudos e Pesquisas do BRICS - BRICS Policy Center. (Wang Tiancong/Xinhua)
Rio de Janeiro, 18 ago (Xinhua) -- O BRICS tem o papel de buscar um equilíbrio nas relações internacionais ao construir consensos que são distintos daqueles estabelecidos nos últimos anos pelas potências ocidentais, afirmou a diretora do Centro de Estudos e Pesquisas do BRICS - BRICS Policy Center, Ana Elisa Saggioro Garcia.
As afirmações da professora brasileira de Relações Internacionais foram feitas em entrevista à Xinhua, onde comentou sobre a próxima Cúpula do BRICS (grupo integrado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) a ser realizada de 22 a 24 de agosto na cidade sul-africana de Joanesburgo, bem como sobre o momento atual do bloco.
"O BRICS tem este papel global de balanceamento nas relações internacionais, nós chamamos de balanceamento de poder, e eles (países do BRICS) buscam acumular o poder econômico e tecnológico e também um poder de convencimento, o que chamamos aqui de um poder ideológico, uma capacidade intelectual, moral, ideológica, para construir novos consensos diferentes dos construídos pelas potências ocidentais", ressaltou.
Para a diretora do BRICS Policy Center, "o BRICS terá um papel muito relevante sobre isso e, no momento atual, em um contexto de mudanças climáticas, de necessidade de desenvolvimento tecnológico também voltado para questões energéticas, de necessidade de políticas públicas dirigidas a atender às populações mais vulneráveis, no caso do Brasil, a questão alimentar, a fome".
"Assim, existe um conjunto de áreas políticas nas quais o BRICS buscará atuar, mas, também, ao mesmo tempo -e esta é a contradição- reforçando em alguns outros casos, os mesmos processos e estratégias de desenvolvimento de antes, mas que, ainda hoje as potências ocidentais levam adiante e que podem gerar novos impactos sociais e ambientais nos locais onde se implementam projetos", acrescentou.
Para a especialista brasileira, "claro, que o BRICS necessita melhorar a cooperação Sul-Sul".
Nesse sentido, ressaltou que "a China já vem prestando uma ajuda muito importante ao continente africano, sendo que ela (a China) defende ser necessário não apenas chegar a acordos governamentais de cima para baixo nos projetos de cooperação Sul-Sul e sim, abrir espaços de participação, diálogo, intercâmbio e também, auditorias das populações locais e outros atores envolvidos nos projetos para que os países do Sul global tenham voz, não só como Estados nacionais, mas como grupos sociais que vão estar dentro e no espaço de implementação de projetos, seja um projeto de saúde ou um projeto ambiental ou investimentos em estradas e infraestrutura".
Sobre a cooperação entre os países do BRICS, ela defende que "o BRICS necessita criar instituições e espaços comuns onde haja transferência de tecnologia, desenvolvimento de vacinas, desenvolvimento de tecnologias para crescimento sustentável e transição energética, desenvolvimento de programas e políticas que possam ajudar, por exemplo, a melhorar e aumentar a produtividade agrícola para mitigar também as crises alimentares e não apenas a crise climática".
Outro tema destacado pela diretora do BRICS Policy Center é a reforma das instituições multilaterais existentes hoje para que os países do BRICS tenham mais voz, como, por exemplo, reformar as instituições financeiras multilaterais que obviamente continuam obsoletas no que se refere a representação dos países do BRICS, em particular, o Banco Mundial e o FMI. Por isso, o BRICS tem que continuar pressionando por esta reforma e criando espaços complementares, como o Novo Banco de Desenvolvimento, como o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura.
Ainda no segmento financeiro, a especialista brasileira se referiu ao fim da hegemonia do dólar a nível mundial, mas embora tenha destacado o fato de ser "muito importante ocorrer este debate, não é fácil, não é rápido e não é simples sair da dependência do dólar".
"A questão do dólar é extremamente complexa. A construção do dólar como moeda hegemônica tem um processo histórico por trás. Obviamente, dependeu e depende da credibilidade que se deposita no Banco Central norte-americano e da capacidade do Estado norte-americano de garantir a integridade desta moeda", analisou.
"Se os países ainda não podem ter uma moeda que substitua o dólar, é pouco provável que se movimentam rapidamente na troca de suas reservas internacionais, atualmente em dólares, por outras moedas", acrescentou.