Clientes brasileiros compram numa loja chinesa no Recife, Brasil, em 10 de agosto de 2022. (Xinhua/Wang Tiancong)
Por Alessandra Brites
Rio de Janeiro, 19 ago (Xinhua) -- Com uma história que já tem mais de 200 anos, a imigração chinesa para o Brasil apresenta uma trajetória cheia de contrastes que impactou e transformou a sociedade brasileira.
Em 26 de junho 2018, o então presidente Michel Temer assinou um decreto para designar o dia 15 de agosto de cada ano como o "Dia da Imigração Chinesa", oficializando a contribuição dos chineses para a construção social do Brasil.
A data federal faz referência à chegada do Vapor Malange, proveniente da cidade de Lisboa, que trazia oficialmente 107 imigrantes que desembarcaram no Rio de Janeiro em 15 de agosto de 1900, sendo conduzidos posteriormente para a cidade de São Paulo.
Além do governo federal, o estado e a cidade de São Paulo e a capital de Pernambuco, Recife, também aprovaram legislação local para adicionar o "Dia da Imigração Chinesa" aos seus calendários locais.
Segundo a vereadora Edir Sales (PSD), autora do Projeto de Lei (PL) 266/2016, que inseriu a iniciativa em 2017 na capital paulista, "a comunidade chinesa está crescendo no Brasil, e eles promovem o desenvolvimento de negócios. Por isso, estou honrada por poder defender a comunidade chinesa na Câmara, criar o Dia dos Imigrantes Chineses e celebrar a data em conjunto".
No Recife, o vereador Eduardo Marques (PSB), o autor do PL para a criação do "Dia da Imigração Chinesa" na cidade, disse que os chineses expatriados na capital estão ativamente integrados à sociedade local, e as empresas e lojas que abriram geraram cerca de 12.500 empregos diretos para a população. "Eles também apoiaram instituições de caridade locais por um longo tempo, especialmente desde o início da pandemia do coronavírus, e ajudaram ativamente a combater a Covid e a superar as dificuldades em conjunto".
Nesta mesma linha, em março deste ano, a Prefeitura do Recife concedeu a Lu Gongrong, presidente da Associação da Comunidade Chinesa do Recife (ACCRB), o título de cidadão honorário, em reconhecimento às suas contribuições e às de chineses ultramarinos à sociedade brasileira.
No estado do Rio de Janeiro, a capital e o munícipio de Niterói também resguardam patrimônio histórico, cultural e econômico da chegada dos chineses ao Brasil. Para além de investimentos nos setores de infraestrutura, energia, engenharia naval e cooperação com o fornecimento de produtos farmacêuticos e de saúde durante a pandemia, Niterói é a cidade onde se localiza o Colégio Estadual Matemático Joaquim Gomes de Sousa, também chamado de Instituto Intercultural Brasil-China.
Segundo a página da instituição, os alunos aprendem os conteúdos básicos curriculares e disciplinas específicas ministradas em inglês e mandarim, onde a interculturalidade e o uso de recursos tecnológicos e científicos para as áreas das Finanças e Engenharia favorecem o aprendizado da Matemática e da Física.
Já no bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro, foi implementada recentemente a Escola Chinesa Internacional (ECI). A organização educacional sem fins lucrativos tem o aporte financeiro de empresários chineses que residem na capital carioca e o apoio do Consulado Geral da China no Rio. A escola segue o modelo da educação básica da China, proporciona um ambiente de aprendizado trilíngue (mandarim, português e inglês) e possibilita o acesso à tecnologia de ponta direcionada à educação.
Da mesma forma que os chineses residentes, os chineses no exterior fazem negócios no Brasil, abrindo fábricas, centros de artes marciais, centros de medicina chinesa, administrando fazendas ou se dedicando ao turismo e indústrias, e têm alcançado resultados notáveis em todas as esferas da vida.
Contudo, a história da jornada destes imigrantes em terras brasileiras, assim como a influência da cultura da China no Brasil, é muito mais antiga do que se pensa. São contribuições que os pesquisadores brasileiros e chineses das mais diversas áreas apenas começam a registrar.
O Rio de Janeiro, que já foi capital nacional e a primeira cidade a receber os chineses ainda durante o século XIX, resguarda grande parte deste histórico ainda a ser desvendado. O intercâmbio entre Brasil e China resultou em pontos turísticos como a Vista Chinesa, localizada no Parque Nacional da Tijuca, construída entre 1902 e 1906. O pagode faz homenagem aos imigrantes que trouxeram o cultivo do chá para o Brasil em 1810, quando Dom João VI, rei de Portugal, trouxe 200 chineses de Macau (China) para a então colônia sul-americana.
Após o início do cultivo do chá, os imigrantes continuaram a habitar a localidade, conhecida hoje como região do Horto, o que levou o prefeito da época Francisco Pereira Passos (1836-1913) a construir um pavilhão em estilo chinês, de onde é possível admirar toda a zona sul da cidade e a Lagoa Rodrigo de Freitas. Trata-se de uma paisagem única e que em razão da presença de imigrantes chineses foi denominada de Vista Chinesa. Todos os dias, turistas de todo o Brasil e de várias partes do mundo visitam o local.
Um artigo publicado pelo site Revista Intertelas menciona pesquisas de historiadores e sociólogos brasileiros de renome que apontam uma aproximação cultural bastante peculiar. Em "A China no Brasil: influências, marcas, ecos e sobrevivências chinesas na arte e sociedade brasileiras", de José Roberto Teixeira Leite, há relatos de costumes da população brasileira que teriam suas origens na China: o hábito de soltar pipas, gostar de foguetes, girândolas, briga de galo, jogo do bicho, café com leite e tantas outras questões.
"Traços sociais e culturais de origem chinesa entre os brasileiros que viveram durante os períodos colonial, imperial e parte da república já sobressaltam em obras e registros deixados por estudiosos como Gilberto Freyre e Luiz Edmundo. Contudo, o trabalho que resume e traz indicações destes traços socioculturais é a extensa pesquisa realizada pelo jornalista, professor, curador, historiador e crítico de arte José Roberto Teixeira Leite para sua tese de doutorado, apresentada ao Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas em 1992. Dos costumes, passando pela imigração, comércio, arquitetura e artes em geral, o especialista concentra-se em tentar trazer ao público acadêmico e geral diversos aspectos desta influência chinesa que, segundo ele, foi preponderante no Brasil até meados do século XIX, quando a Inglaterra e a Europa, com o advento da Revolução Industrial e o progresso da ciência, acabaram por substituir e apagar esta marca chinesa e asiática que a sociedade brasileira apresentava até então".
Segundo o pesquisador do Núcleo de Estudos Brasil-China da FGV Direito Rio, Daniel Veras, a comunidade chinesa no Brasil conta com mais de 200 mil integrantes, sendo que metade vive na cidade de São Paulo. Em sua participação no ciclo de palestras online realizado ano passado pela Coordenadoria de Estudos da Ásia (CEASIA) e o Grupo de Estudos sobre a História da Ásia (GESHA), ambos da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), ele afirmou que até a década de 1980, o fluxo de chineses era proveniente da região chinesa de Taiwan. Após esta época, a China continental foi o local de origem dos imigrantes. Ele ainda acrescentou que diferentemente das imigrações japonesa e italiana, cujos governos estavam envolvidos para trazer estas populações ao Brasil, os chineses chegaram ao país em ondas desconectadas. "A vinda deles é parte de uma iniciativa individual das famílias que procuram morar em cidades e, normalmente, tem um caráter empreendedor", explicou Veras.
Esta característica peculiar da imigração chinesa pode ser explicada pela história. O professor adjunto na Universidade do Estado do Rio de Janeiro-UERJ, André Bueno, em sua palestra realizada no mesmo evento, abordou os projetos migratórios para o Brasil, sob uma perspectiva chinesa. Tais iniciativas são uma parte da historiografia brasileira que ainda se encontra praticamente ignorada, segundo ele.
"A Dinastia Qing, por exemplo, estava longe de ser uma instituição derrotada como é considerada nos livros de história ocidentais. Na verdade, ela mantinha projetos de atuação dentro e fora do país, no intuito de contrabalançar as suas tensões internas políticas, econômicas e sociais. O interesse dos chineses pelo Brasil começou durante a Primeira Missão Brasileira à China, realizada entre 1880 e 1881, que visava firmar um tratado comercial que pudesse viabilizar a vinda de trabalhadores chineses para o país", afirmou.
Levando em conta a existência de um passado ainda a ser desvendado, Chen Tairong e Liu Zhengqin, diplomatas aposentados que serviram no Brasil, começaram a investigar a história da imigração chinesa para o Brasil em 2000. Eles visitaram cidades onde viviam imigrantes chineses e revisaram um grande número de materiais históricos compilados por instituições relevantes em Macau (China) e Portugal.
Em entrevista à Xinhua, Liu Zhengqin disse: "Sentimos profundamente que devemos contar bem a história da China e dizer ao mundo que nossos ancestrais fizeram contribuições indeléveis à sociedade brasileira desde que chegaram ao Brasil".
Foto tirada em 19 de agosto de 2022 mostra a Escola Chinesa Internacional no Rio de Janeiro, Brasil. (Xinhua/Wang Tiancong)
Turistas visitam "Vista Chinesa" no Rio de Janeiro, Brasil, em 10 de maio de 2014. (Xinhua/Xu Zijian)
Chen Tairong (D) e Liu Zhengqin, diplomatas aposentados que serviram no Brasil, entrevistados pela Agência de Notícias Xinhua no Recife, Brasil, em 10 de agosto de 2022. (Xinhua/Wang Tiancong)