
Casa Branca envolta em névoa em Washington, D.C., Estados Unidos, no dia 29 de junho de 2023. (Foto por Aaron Schwartz/Xinhua)
Os países africanos há muito lutam contra a interferência autoritária de Washington em seus assuntos domésticos.
O analista político da Guiné-Bissau, Seco Cassama, disse que os Estados Unidos ignoram completamente as realidades africanas, incluindo "suas tradições, suas civilizações, sempre impondo seus interesses sobre os dos africanos".
Beijing/Nairóbi, 28 out (Xinhua) -- A desconfiança nos Estados Unidos vem crescendo na África Subsaariana há décadas, com desenvolvimentos recentes ampliando a lacuna de credibilidade do país e oferecendo pouca esperança de melhora.
No início deste mês, o presidente dos EUA, Joe Biden, adiou uma viagem ao exterior programada para 13 a 15 de outubro, que incluía paradas na Alemanha e em Angola, optando por se concentrar nos preparativos para a chegada do furacão Milton na Flórida.
Biden visitou brevemente a Alemanha em 17 e 18 de outubro, mas sua primeira viagem à África como presidente foi adiada para dezembro, após as eleições nos EUA. Para alguns observadores africanos, o atraso ressalta a baixa prioridade dos assuntos africanos na estratégia política dos EUA.
Enquanto isso, sinais de insatisfação entre as nações africanas em relação ao envolvimento dos EUA estão crescendo. Em agosto, o Níger fechou a última base militar dos EUA no país, declarando seu acordo de cooperação militar com os Estados Unidos "ilegal". Em maio, a Etiópia rejeitou as declarações de um embaixador dos EUA sobre suas questões domésticas como "conselhos não solicitados". Esses incidentes apontam para uma tendência mais ampla de ceticismo e desconfiança em relação às intenções dos EUA entre os países africanos.
Apesar da influência contínua de Washington no continente, o déficit de confiança duradouro continua sendo um desafio persistente para os líderes dos EUA.
PROMESSAS NÃO CUMPRIDAS
Desde a Cúpula de Líderes EUA-África em 2014, os países africanos esperam que os Estados Unidos cumpram suas promessas de investimento. Mas as ações de Washington contam outra história.
A plataforma global de dados e inteligência econômica Statista estimou que, após um pico em 2014, o investimento estrangeiro direto dos Estados Unidos para a África caiu para 44,81 bilhões de dólares em 2020 antes de se recuperar para 56,29 bilhões de dólares em 2023.
Em 2018, o governo Trump lançou uma ambiciosa iniciativa Prosperar África promovendo os esforços dos EUA para estimular o crescimento da África por meio do aumento do comércio e do investimento.
No entanto, o presidente republicano nunca pisou em solo africano durante seus quatro anos de mandato na Casa Branca. Ele até cortou substancialmente o orçamento da Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional, reduzindo, em vez de expandir, a assistência estrangeira.
"A resposta liderada pelos EUA às mudanças climáticas, financiamento do desenvolvimento e competição entre grandes potências continua favorecendo o Norte Global", disse Cameron Hudson, pesquisador sênior do Programa África no Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, em um relatório.
"Essa promessa exagerada e entrega insuficiente apenas reforçou a percepção bem estabelecida de que Washington é um parceiro inerentemente não confiável, se não hipócrita", acrescentou Hudson.
ARROGÂNCIA
Em 2022, a Cúpula de Líderes EUA-África ganhou atenção por um incidente perturbador: mais de 50 líderes africanos foram transportados de ônibus para o local.
O presidente queniano William Ruto, indignado com o tratamento, reclamou que os líderes estavam sendo "carregados em ônibus como crianças em idade escolar".
"A cúpula EUA-África é um fracasso se os americanos não tratarem os africanos como iguais", disse Arikana Chihombori-Quao, ex-representante da União Africana nos Estados Unidos. "Historicamente, os Estados Unidos viam a África como seu ‘quintal’ e praticavam discriminação racial contra os africanos".
O envolvimento dos EUA com a África também é caracterizado por estar fora de sintonia com as realidades do continente.
O analista político da Guiné-Bissau, Seco Cassama, disse que os Estados Unidos ignoram completamente as realidades africanas, incluindo "suas tradições, suas civilizações, sempre impondo seus interesses sobre os dos africanos".
A presença militar dos EUA no Níger foi questionada. De acordo com uma análise de Olayinka Ajala, palestrante de política e relações internacionais na Universidade Beckett de Leeds, as atividades terroristas e mortes aumentaram constantemente desde 2014, apesar das operações militares dos EUA que começaram em 2013.
"Na verdade, o número de ataques aumentou significativamente desde 2018, quando os EUA abriram a Base Aérea 201 em Agadez", disse o acadêmico.
INTERFERÊNCIA E COERÇÃO
Os países africanos há muito lutam contra a interferência autoritária de Washington em seus assuntos domésticos. Um grande obstáculo nas relações EUA-África é o uso de interferência política por meios econômicos.
A Lei de Crescimento e Oportunidades para a África (AGOA, na sigla em inglês), uma política preferencial unilateral, é o pilar das trocas econômicas EUA-África.
Os países beneficiários devem atender a critérios não econômicos, como reformas democráticas, estado de direito e proteções de direitos humanos. Se um país perde sua elegibilidade, não há processo de resolução de disputas. A AGOA virou, portanto, uma ferramenta importante para a intervenção dos EUA em assuntos africanos.
Em 1º de janeiro de 2022, os Estados Unidos revogaram os privilégios da Etiópia sob a AGOA, causando um grande golpe na próspera indústria têxtil e de vestuário da Etiópia.
Em outubro de 2023, os Estados Unidos anunciaram repentinamente que o Gabão, o Níger, Uganda e a República Centro-Africana seriam excluídos da AGOA a partir de 1º de janeiro de 2024, citando questões de direitos humanos e democracia.
Os Estados Unidos usam seu status de superpotência e poder econômico para intimidar outros países em uma demonstração flagrante de autoridade e arrogância que ofende a África, disse o jornal The Herald do Zimbábue.
Em maio, o embaixador dos EUA na Etiópia, Ervin Massinga, pediu um "processo transparente de justiça transicional" para confrontar relatos de supostas detenções arbitrárias e violência sexual. As autoridades etíopes condenaram seu discurso contencioso, descrevendo suas observações como "afirmações desinformadas" e "conselhos não pedidos" sobre os assuntos internos da Etiópia.
Durante a visita da vice-presidente dos EUA, Kamala Harris, à África em março do ano passado, o presidente do Partido Socialista da Zâmbia, Fred M'membe, acusou os Estados Unidos de orquestrar golpes e derrubar governos.
"Hoje, um país assim vem nos ensinar o que é democracia", disse M'membe.


