Soldados da Guarda Nacional da Califórnia confrontam manifestantes em frente ao Centro Federal de Detenção de Los Angeles, em Los Angeles, Califórnia, Estados Unidos, em 8 de junho de 2025. (Foto por Qiu Chen/Xinhua)
Pela primeira vez desde 1965, um presidente federalizou a Guarda Nacional de um estado sem o consentimento do governador - uma medida extraordinária que levanta questões prementes sobre interferência federal e a soberania estadual.
Sacramento, Estados Unidos, 9 jun (Xinhua) -- Mais de 1.000 manifestantes entraram em confronto com tropas da Guarda Nacional no centro de Los Angeles no domingo, protestando contra as operações de imigração que varreram a Califórnia no fim de semana.
A agitação marca uma escalada dramática no crescente impasse constitucional entre o presidente dos EUA, Donald Trump, e o governo estadual da Califórnia, liderado pelos democratas. Pela primeira vez desde 1965, um presidente federalizou a Guarda Nacional de um estado sem o consentimento do governador — uma medida extraordinária que levanta questões urgentes sobre a interferência federal e a soberania estadual.
O QUE DESENCADEOU O CONFRONTO?
O confronto ocorreu após as batidas policiais do Serviço de Imigração e Alfândega (ICE) terem começado na sexta-feira em todo o Condado de Los Angeles, com foco especial no distrito da moda no centro da cidade e nas comunidades latinas, o que desencadeou protestos em massa no fim de semana.
As batidas resultaram em mais de 100 prisões, atraindo manifestantes furiosos que confrontaram os agentes com gás lacrimogêneo, granadas de efeito moral e pedras.
Trump caracterizou os protestos como "turbas violentas e insurrecionais" atacando agentes federais, alegando que a cidade havia sido "invadida e ocupada por imigrantes ilegais e criminosos" em uma publicação no Truth Social.
Na noite de sábado, Trump invocou uma autoridade federal raramente utilizada, prevista no Título 10 U.S.C. 12406 da lei federal dos EUA, para assumir o controle da Guarda Nacional da Califórnia, ignorando as objeções do governador da Califórnia, Gavin Newsom.
Na manhã de domingo, tropas da Guarda Nacional enviadas pelo governo Trump chegaram ao centro de Los Angeles. De acordo com o Comando Norte dos EUA, a 79ª Brigada de Combate de Infantaria da Guarda Nacional da Califórnia mobilizou aproximadamente 300 soldados para três locais distintos na região metropolitana de Los Angeles.
"Eles estão conduzindo a segurança e a proteção de propriedade e pessoal federal", anunciou o Comando Norte em uma publicação online.
No final da tarde de domingo, o governador Newsom solicitou formalmente que o secretário de Defesa dos EUA, Pete Hegseth, revogasse o destacamento "ilegal", chamando-o de "uma grave violação da soberania estadual".
"Não tínhamos problemas até que Trump se envolvesse", postou Newsom no X, chamando o destacamento de "propositalmente inflamatório" e alertando que "só aumentaria as tensões". A prefeita de Los Angeles, Karen Bass, ecoou o sentimento, chamando a mobilização de uma "escalada caótica".
Governadores democratas em todo o país denunciaram as ações de Trump.
Em uma declaração conjunta, uma coalizão de quase duas dúzias de governadores democratas condenou o que chamou de "abuso alarmante de poder" na federalização da Guarda Nacional da Califórnia, enfatizando que os governadores estaduais mantêm autoridade sobre suas próprias unidades da Guarda Nacional.
Manifestante é preso por policiais do Departamento de Polícia de Los Angeles em frente ao Centro de Detenção Federal de Los Angeles, em Los Angeles, Califórnia, Estados Unidos, em 8 de junho de 2025. (Foto por Qiu Chen/Xinhua)
QUAL É O PAPEL DA GUARDA NACIONAL?
A Guarda Nacional atua como uma força híbrida única, operando sob o controle duplo federal e estadual. Normalmente, as unidades da Guarda respondem a emergências estaduais — desastres naturais, distúrbios civis ou crises de saúde pública — sob o comando do governador do estado.
No entanto, o presidente tem autoridade limitada para "federalizar" a Guarda Nacional de um estado em situações extremas, como insurreição ou obstrução da lei federal. Uma vez federalizadas, as unidades da Guarda se reportam ao presidente e podem receber funções de apoio militar, embora a Lei Posse Comitatus geralmente as impeça de atuar como agentes da lei doméstica.
Críticos argumentam que o uso dessa autoridade por Trump obscureceu esses limites, especialmente devido ao contexto político e à ausência de uma ameaça urgente à segurança.
A INTERFERÊNCIA EXCEDE A AUTORIDADE FEDERAL?
Especialistas jurídicos argumentam que a mobilização levanta sérias preocupações constitucionais.
Ao invocar o Título 10 em vez da mais conhecida Lei da Insurreição, Trump enquadrou as ações dos manifestantes como uma "rebelião contra a autoridade dos Estados Unidos". Essa justificativa, embora legalmente permissível em casos raros, marca uma interpretação agressiva do poder federal.
Historicamente, presidentes têm usado tais medidas em circunstâncias muito diferentes. Em 1965, o presidente Lyndon B. Johnson federalizou a Guarda Nacional do Alabama — sem o consentimento do governador — para proteger manifestantes pelos direitos civis durante a marcha de Selma a Montgomery, após a violência do "Domingo Sangrento" pela polícia estadual.
Em contraste, a mobilização de Trump teve como objetivo confrontar manifestantes que se opunham à fiscalização federal da imigração, e não protegê-los.
Outros precedentes incluem os distúrbios de 1992 em Los Angeles, quando o presidente George H.W. Bush federalizou a Guarda Nacional da Califórnia — mas apenas a pedido do governador republicano Pete Wilson — para ajudar a conter a agitação generalizada após o veredito de Rodney King. Essa missão envolveu mais de 10.000 membros da Guarda Nacional e 4.000 soldados federais.
Desta vez, Trump agiu sem uma solicitação estadual e em desafio direto a ela — uma medida que, segundo grupos de direitos civis, expande perigosamente a autoridade federal sobre questões internas.
O QUE ISSO SIGNIFICA PARA AS RELAÇÕES ENTRE O ESTADO E A FEDERAÇÃO?
A decisão de Trump é apenas o mais recente ponto crítico em um impasse de longa data com a Califórnia. Desde que assumiu o cargo para um segundo mandato, ele entrou em conflito com o estado em uma ampla gama de questões — desde política climática e auxílio a desastres causados por incêndios florestais até padrões de emissões de veículos e financiamento para educação.
As tensões estão chegando ao limite.
De acordo com a CNN, o governo Trump está se preparando para cortar grande parte do financiamento federal para a Califórnia — mais de 170 bilhões de dólares americanos, destinados a saúde, educação e serviços sociais. A Califórnia, com 39 milhões de habitantes, contribui com 83 bilhões de dólares a mais em impostos federais do que recebe — tornando-se o maior "estado doador" do país.
O governador Newsom ameaçou reter contribuições fiscais federais em retaliação, citando o slogan da época da Guerra da Independência "sem representação não há tributação". Em resposta, o secretário do Tesouro, Scott Bessent, alertou que tal ação constituiria sonegação fiscal criminosa, aumentando os temores de um impasse constitucional mais amplo.
A União Americana pelas Liberdades Civis planeja contestar o envio de tropas em um tribunal federal, chamando-o de "abuso de poder" e argumentando que o envio de tropas da Guarda Nacional neste contexto — contra indivíduos que exercem seus direitos garantidos pela Primeira Emenda — é inconstitucional.
Manifestantes entram em confronto com delegados do xerife de Los Angeles em Paramount, Condado de Los Angeles, Califórnia, Estados Unidos, em 7 de junho de 2025. (Foto de Qiu Chen/Xinhua)
COMO OUTROS PAÍSES RESPONDEM?
A controvérsia atraiu a atenção internacional, especialmente do vizinho México.
A presidente mexicana, Claudia Sheinbaum, condenou veementemente a resposta dos EUA aos protestos e às batidas policiais de imigração em Los Angeles, criticando o uso da força como ineficaz e prejudicial para lidar com questões migratórias.
Ela argumentou que batidas policiais e violência não resolverão as causas profundas da migração e instou os Estados Unidos a adotarem uma abordagem mais abrangente e diplomática para a reforma imigratória. Expressando solidariedade aos cidadãos mexicanos e outros migrantes latino-americanos afetados pela repressão, Sheinbaum enfatizou: "Os mexicanos que vivem nos Estados Unidos são pessoas boas e trabalhadoras — eles não são criminosos."
Ela também pediu às autoridades americanas que respeitem o devido processo legal e defendam os direitos humanos, alertando que táticas agressivas como o envio da Guarda Nacional não são apenas injustas, mas, em última análise, contraproducentes. Seus comentários refletiram um apelo mais amplo por soluções humanas e cooperativas para os desafios da migração, em vez de repressões militarizadas.
O QUE ACONTECE A SEGUIR?
Até a noite de domingo, tropas da Guarda Nacional permanecem estacionadas em torno de importantes instalações federais no centro de Los Angeles. Trump prometeu intensificar a resposta se os protestos continuarem, declarando: "Teremos tropas em todos os lugares".
O agravamento da crise levanta questões urgentes sobre o futuro do federalismo americano e o equilíbrio de poder entre os estados, o governo federal e as Forças Armadas.
Enquanto a nação luta com as implicações desse envio sem precedentes, o resultado pode remodelar os limites da autoridade presidencial nos próximos anos.